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Sob governantes incultos, Estado deixa de adquirir obras do mestre da Escola Baiana de Pintura

Documento elaborado para aquisição das peças durante gestão de Pedro Archanjo no MAB

Albenísio Fonseca

A história e a iconografia da Bahia acabam de perder a chance de adquirir o conjunto da obra de José Joaquim da Rocha (Salvador, 1737-1807), criador da Escola Baiana de Pintura. “O MAB-Museu de Arte da Bahia tem obras de quase todos os artistas da Escola Baiana de Pintura, mas não tem nenhuma do mestre fundador da escola inaugural de Arte no estado”.

Quando diretor do MAB, o sociólogo e fotógrafo Pedro Archanjo realizou uma pesquisa sobre o mestre e descobriu que um colecionador paulista possuía três telas de Joaquim da Rocha e um colecionador baiano possuía duas outras. Archanjo revela ter conversado com o colecionador daqui e diz que “ele gostou tanto da ideia que adquiriu as três telas do artista junto ao colecionador de São Paulo”.

Davi toca harpa; Sacerdote oferece pão e vinho; Sacerdote sacrifica um cordeiro, José Joaquim da Rocha, 1786

– Elaboramos, então, um projeto de aquisição dos cinco quadros e conseguimos aprovar a proposta através da Lei Rouanet. Mas, para tanto, e dada a complexidade da obra de Joaquim da Rocha, criei um grupo de trabalho com três especialistas em barroco baiano com ênfase na Escola Baiana de Pintura e, após análises físicas, os especialistas  atestaram a autenticidade das obras.

Pedro Archanjo revela, ainda, que “já dispúnhamos até mesmo da empresa patrocinadora. Mas o que ocorreu, logo em seguida, foi minha exoneração da direção do MAB, por obra e graça de ex-diretor do IPAC. Aconteceu, contudo, de o colecionador baiano, de família árabe, ter ficado magoado com minha saída e decidiu que não mais ajudaria o MAB a resgatar as peças, fundamentais para o acervo da instituição”.

LÁGRIMAS SOBRE TELAS

Ao tomar conhecimento, agora,  de que o MNBA-Museu Nacional de Belas Artes (que ocupa o histórico Palácio do Catete, no Rio de Janeiro) adquirira as peças, Archanjo confessa que “chorei”. – Sim, as lágrimas me vieram diante da magnitude das telas que compunham a maioria das obras de arte barroca expostas na Igreja de São Pedro, demolida pela sanha construtiva de J. J. Seabra, então governador da Bahia, para dar passagem às obras de abertura da Avenida Sete de Setembro, em 1913.

Procissão de transladação das imagens da Igreja, em 1912, antes da demolição autorizada por J.J. Seabra
para abertura da avenida Sete de Setembro

EM EXPOSIÇÃO, NO RIO

O Mestre do Barroco Baiano agora ganha evidência no Museu Nacional, que recebe, no Palácio do Catete, as importantes obras de um dos grandes mestres do barroco brasileiro. 

As obras, originárias da Igreja de São Pedro, foram compradas por particulares, tornando-se pouco conhecidas do público.

José Joaquim da Rocha – pintor, encarnador, dourador e restaurador baiano – pintou muitas peças de cavalete, mas suas composições mais famosas são os grandes tetos de igrejas, realizados sob a técnica da perspectiva ilusionística, organizando complexas estruturas arquitetônicas virtuais ornamentadas com guirlandas e rocalhas, que sustentam um medalhão central, onde aparece a cena principal do conjunto, em geral apresentando Cristo ou a Virgem Maria em situações glorificantes. 

Pintura da nave ou forro da Igreja de N. S. da Conceição da Praia, em Salvador,

Como foi a praxe do período Barroco em que atuou, a pintura deveria edificar o observador e instruí-lo nos preceitos da Igreja, fazendo uso de uma plasticidade suntuosa e atraente ao olhar, que através da sedução dos sentidos levasse o devoto à contemplação das belezas do espírito.

Apesar de já ter recebido a atenção crítica de vários especialistas de renome, o estudo de sua produção ainda carece de aprofundamento e muito ainda permanece no terreno da conjectura, em particular no que diz respeito à autoria, pois não assinou nenhuma obra e grande parte do que deixou é-lhe atribuído apenas com base na tradição oral, sem documentação corroborante, o que dificulta o entendimento da sua trajetória e estilo. 

A despeito dessas incertezas, a partir do que se conhece com mais segurança, José Joaquim da Rocha já foi reconhecido como artista de importância superior, considerado o fundador da Escola Baiana de Pintura, o maior de seus integrantes e um dos grandes mestres do Barroco brasileiro.

Ele deixou vários discípulos e influenciou duas gerações de continuadores, que preservaram princípios da sua estética até meados do século XIX.

Agora, o conjunto de cinco pinturas está incorporado ao acervo do Museu Nacional de Belas Artes. As telas são: Alegoria Agnus Dei, Alegoria Pelicano, David com sua harpa, Sacerdote apresentando pão e vinho e Sumo Sacerdote de Israel.

Elas ficarão expostas, a partir desse 16 de agosto até outubro no Salão Nobre do Palácio do Catete, como parte do programa de intercâmbio de acervos do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).

Conforme anunciado pelo portal TecnoMuseu, “as obras do Mestre José Joaquim da Rocha são provenientes de uma coleção particular, adquirida no âmbito do Projeto Movimento de Aquisição de Obras para Museus Brasileiros. Elas chegam agora ao Rio com o barroco do Mestre José Joaquim da Rocha”. 

A aquisição das obras, doadas ao Museu Nacional de Belas Artes, teve o patrocínio do Instituto Cultural Vale através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, do MinC. 

Os valores dispendidos nas aquisições, pela Vale, ainda não foram tornados público, mas a Bahia, de costas para as Artes e a Cultura, perdeu. #

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O grave cenário dos museus na Bahia ou, equívocos e bajulações marcam os 102 Anos do MAB

Museu de Arte da Bahia traz leitura e exposições para o fim de ...Mais antigo museu do Estado, o MAB foi inaugurado em 23 de julho de 1918
Albenísio Fonseca
Para comemorar os 102 anos do MAB-Museu de Arte da Bahia, a recém-empossada diretora da instituição, Ana Liberato, optou por promover uma live no Instagram, não com especialistas que estudam tal museu, mas com o diretor do Ipac-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Bahia, João Carlos Oliveira. Fica clara e evidente a tentativa de agradar o seu superior, bajular o chefe, comprometendo a competência e seriedade da gestão. Quando a administração museológica passa a ser orientada pela bajulação, é o próprio tecido cultural que se vê esgarçado. A data dos 102 anos daquela unidade, em verdade, transcorre dia 23 de julho. Liberato foi empossada em meados de fevereiro.
 
Afinal, além do atual diretor do Ipac não entender nada dos museus, como ficou cabalmente demonstrado, sabe-se o quanto o MAB, por ser o mais antigo do Estado, possui alguns especialistas de sua história, como os professores Francisco Sena e Luis Freire. Convidar um diretor que não entende do assunto para representar um momento relevante da instituição é uma grosseira limitação ou gesto desesperado em manter-se à frente da unidade.
 
O descalabro em tal comemoração se mostra tamanho que até mesmo a logomarca do Centenário, vencedora de concurso público, foi “adequada” aos 102 anos. O autor do design poderia processar os dois dirigentes por apropriação indébita. 
 
Assisti a apresentação do diretor do Ipac no Instagram. Mesmo defendendo “posições que sinalizam o quão importante é estar com o olhar voltado para o futuro”, se deteve em dados pretéritos, a confundir conceitos, períodos históricos e movimentos artísticos. Ele se diz, “totalmente contrário” à adoção dos mecanismos virtuais para difusão do acervo e de eventos pelos museus baianos. Mesmo ao admitir a ausência de um equipamento como “lugar de fala” para obras contemporâneas em Salvador, sugere, por um lado, que tal edificação “poderia ser instalada em algum bairro da periferia ou no subúrbio ferroviário”, para em seguida defender, como numa abstração, que tal Museu de Arte Contemporânea “poderia mesmo ser todo um território em algum bairro”.
 
Encaminhei perguntas, não respondidas, sobre como João Carlos Oliveira avaliaria sua gestão à frente do Ipac, em que pese – sem dispor de qualquer novo projeto – ter reduzido o orçamento do órgão em 50% e, do mesmo modo, em 30%, o contingente de pessoal. A situação da Carpintaria do Ipac, no bairro da Saúde, abandonada, com máquinas enferrujando, é outro grave indicativo da sua gestão temerária à frente do patrimônio artístico e cultural na Bahia. 
SEGURANÇA AMEAÇADA
Até mesmo a segurança dos museus está sob ameaça graças à redução do número de vigilantes armados durante a noite, seja no MAB ou no MAM-Museu de Arte Moderna da Bahia. Onde necessariamente havia três vigilantes, resta um. Os equipamentos já não dispõem de prestadores de serviço para manutenção de elevadores e ar-condicionado. Oliveira cancelou contratos com as empresas que forneciam os técnicos. Ao promover novas contratações não encontrou empresas interessadas dada a defasagem de valores. 
 
Ele assumiu a direção do Ipac, sob indicação do ex-diretor do Iphan Carlos Amorim. Este veio a ser exonerado pelo então ministro da Cultura Juca Ferreira. Oliveira age do mesmo modo que Liberato, a bajular o governador Rui Costa, cuja gestão deixa a desejar não só na área cultural, mas na Educação, Turismo, Meio Ambiente. Amorim foi contemplado pelo governante com um cargo na Casa Civil, mas nunca tomou posse. 
 
Não muito diferente de Hermano Guanais Queiroz que, indicado por João Carlos Oliveira para a direção do MAM, dois dias depois de ter a nomeação publicada no Diário Oficial do Estado, alegou “equívoco” e desistiu de assumir a direção do Museu de Arte Moderna da Bahia. O cargo permanece vago desde 7 de dezembro de 2019. Guanais não teria aceito receber R$ 15 mil “por fora” para equiparar ao salário que dispunha em Brasília. Um diretor de museu estadual na Bahia percebe R$ 7 mil de salário. Com o “por fora” alcançaria os R$ 22 mil com que era remunerado na capital federal de onde estava sendo “importado”. O MAM está em reformas há sete anos, período em que esteve submetido a sete diretores. Os museus permanecem fechados em decorrência da pandemia provocada pela Covid-19.