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“Cuíca de Santo Amaro, Ele o Tal”, para além de um documentário

Albenísio Fonseca

Com imagens de Salvador e do Recôncavo dos anos 30, 40 e 50, além das contemporâneas e sob depoimentos de personalidades políticas e culturais da Bahia, o extraordinário documentário “Cuíca de Santo Amaro, Ele o tal”, proporciona um resgate fundamental da história da cidade, antes da sua consolidação como metrópole e  a estampar o seu mais emblemático comunicador.

 

Cuíca de Santo Amaro – como enfatiza o texto de apresentação do documentário, escrito e dirigido pelos cineastas Joel de Almeida e Josias Pires – “deixa um legado picante e irônico da vida baiana. Versos como vísceras de uma cidade emprenhada de preconceitos e hipocrisia”.

 

A obra dele, ainda segundo Joel e Josias, “é como um jornal do povo, o melhor da tradição jornalística da literatura popular”.

 

Trazendo à tona episódios e dados relevantes sobre a primeira capital do país, nas primeira e segunda metades do século 20, a exemplo da invasão de automóveis no pós-guerra, a adotar o modelo de desenvolvimento americano como um novo “colonialismo”; a descoberta do petróleo na Bahia e o incêndio da Feira de Água de Meninos, entre outros fatos sob a égide da ótica desse fabuloso poeta cordelista, o documentário foi finalizado em 2012 e disponibilizado no YouTube em 2018, como se diria de cenas de época, em inédita e marcante “arqueologia” da história da Bahia.

Destaque

Salvador, sob a marca das epidemias devastadoras

Nenhuma descrição de foto disponível.Capa de O Imparcial em 11.10.2019
“Epidemias não são eventos apenas biológicos, mas profundamente sociais,
políticos e culturais, que tanto podem aprofundar hierarquias, desigualdades,
conflitos e preconceitos como produzir compaixão, solidariedade e cuidados”
.
Charles Rosenberg

Salvador foi sede do governo geral do Brasil colonial até 1763 e ao longo do século XVIII manteve o posto de cidade mais populosa do Brasil. No contexto das doenças que emergiram, reemergiram ou permaneceram ao longo dos séculos, o porto de Salvador teve sempre um papel crucial.

O porto servia como entreposto de todo tipo de mercadoria trocada no âmbito do império português. Como maior produtor de açúcar da colônia, Salvador tanto recebia produtos vindos da metrópole, quanto escoava a produção agrícola da região.

As atividades portuárias na cidade iniciaram-se ainda como simples embarcadouro comercial, antes mesmo do governo português estabelecer que ela seria a sede do governo geral do Brasil (meados do século XVI), e foram crescendo junto com a cidade, mesmo após a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1763.

Com a intensificação das atividades portuárias em Salvador seguiram-se a colonização de algumas espécies de animais na área dos portos, atraídos pela facilidade de abrigo e alimentação (principalmente pelos resíduos sólidos resultantes dessa atividade), como roedores, baratas, pombos, os quais se constituem em uma fauna sinantrópica nociva.

Animais sinantrópicos são aqueles que se adaptaram a viver junto ao homem, a despeito da vontade deste. Diferem dos animais domésticos, os quais o homem cria e cuida com as finalidades de companhia (cães, gatos, pássaros, entre outros), produção de alimento ou transporte (galinha, boi, cavalo, porcos, entre outros).

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1897 – 1904, VARÍOLA FAZ MAIS DE 2 MIL MORTOS

A despeito da memória coletiva sobre a doença, epidemias com altas taxas de morbidade e mortalidade atingiram a capital do estado em anos que nem sempre terminavam em nove. Uma das mais graves irrompeu em 1897, quando 4.575 pessoas foram acometidas pela varíola e 1.676 foram a óbito. As taxas continuaram altas no ano seguinte, foram 780 casos e 168 óbitos em 1898.

Entre 1899 e 1903, o número de adoecimentos e mortes foi relativamente pequeno, até que, a partir de 1904, as cifras de morbidade começaram a crescer, mas a mortalidade continuou relativamente baixa. Após um período curto de declínio da varíola, em 1909, as taxas de morbidade e mortalidade recomeçaram a crescer, atingindo as cifras de 328 mortos e 1.813 doentes naquele ano. Mas em 1910, essas taxas atingiram graus mais elevados: 2.697 casos e 835 mortos. A partir de 1911, os números começaram a decrescer até que, em 1919, irrompeu a epidemia de varíola mais devastadora que a Bahia conheceu: entre junho e dezembro daquele ano, 4.612 pessoas foram acometidas e 2.804 foram vitimadas pela doença.

1918 – 1919, GRIPE ESPANHOLA E A EPIDEMIA DE VARÍOLA

Mal descansara das turbulências causadas pela gripe espanhola no final de , Salvador se depararia com uma terrível epidemia de varíola. O biênio de 1918-1919 foi particularmente desastroso para a saúde dos soteropolitanos. Não por acaso, o número de habitantes em Salvador passou dos 348.130, computados em 1912, para os 283.422 registrados pelo censo de 1920. O impacto demográfico produzido pelo alto índice de mortalidade por doenças
transmissíveis em Salvador demonstra quanto tais epidemias foram significativamente letais.

A epidemia de gripe espanhola irrompeu em Salvador entre setembro e dezembro de 1918. No ano seguinte, a população foi atingida por uma epidemia de varíola. Em paralelo, os jornais também registraram surtos de febre amarela. Contudo, apesar de a imprensa noticiar tais surtos, nos registros oficiais o número de casos era insignificante, fazendo com que o governo estadual extinguisse o serviço especializado.

Durante muito tempo, a varíola se constituiu em ameaça real para os soteropolitanos, a ponto de ter sido usual a expressão: “na Bahia anno de nove, anno de varíola”. Este adágio popular mereceu destaque na mensagem enviada à Assembleia Legislativa, em 1930, pelo governador Vital Soares, que fez questão de destacar que, apesar do número, o ano de 1929 passou sem que irrompesse uma epidemia de varíola em Salvador.

Em junho de 1919, alguns soldados do exército que regressavam de uma expedição, provenientes da cidade de Barreiras, chegaram a Salvador apresentando sintomas da varíola. Internados no Hospital Militar, logo foram seguidos por outros, acometidos pela mesma doença.

No mês seguinte a varíola atingiu os bairros de Brotas e do Pilar, sendo notificados 17 casos. Em agosto, mês aziago, a doença começou a alastrar-se pela cidade. Infectou, inicialmente, os moradores dos distritos centrais – Paço, Taboão, Santo Antônio, Santana e Sé – alcançando, depois, até mesmo localidades no subúrbio de Salvador.

HABITAR CASARÕES OCUPADOS NO CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR, BAHIA ...



Condições de moradia eram extremamente insalubres

 

 

 






FATORES DETERMINANTES, AS CONDIÇÕES SOCIAIS

Vários fatores podem ter contribuído para a rápida disseminação da doença, dentre esses, as condições sociais em que vivia a camada mais pobre da população de Salvador, vítima da crise habitacional e da especulação imobiliária em curso naquele decênio. A reforma urbana e a expansão do setor de serviços contribuíram para aumentar a carência de imóveis nos distritos centrais da cidade.

Assim, os desprovidos de recursos pecuniários, em busca de baixos preços de aluguéis ou de maior proximidade com o trabalho, se aglomeravam nos velhos sobrados encortiçados, sobrelojas e casas de cômodo, situados no antigo centro de Salvador. Outros, especialmente os operários, disputavam espaço nos casebres e “avenidas” dos bairros fabris da periferia da cidade.

Reportagem veiculada em setembro daquele ano no jornal A Tarde informava que, no Paço, Pilar e Taboão, havia, no mínimo, um doente por casa. A Saúde Pública permitia que os acometidos fossem tratados em domicílio, desde que notificassem o inspetor sanitário do distrito e respeitassem as regras de higiene recomendadas, mas, segundo o articulista, condições como essas dificultavam o registro preciso do número de casos.

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A matéria informava ainda que 160 doentes de varíola encontravam-se internados no Hospital de Isolamento. Naquele mês o hospital ainda possuía capacidade para acolher mais enfermos, visto que contava com um total de 200 leitos. Caso se decidisse pela internação, os parentes do enfermo poderiam acompanhá-lo mediante o pagamento de diária estipulada pela Saúde Pública.

Segundo nota divulgada no jornal O Democrata, órgão de imprensa do grupo político que estava no poder, a Diretoria Geral da Saúde Pública estava fazendo sua parte para conter a epidemia. As medidas praticadas eram as de praxe: a vigilância e notificação dos casos; o bloqueio da doença, através da vacinação; o isolamento os doentes; a desinfecção e incineração das roupas do enfermo.

CENÁRIO MACABRO, DOENTES INFESTAVAM AS RUAS

Todavia, apesar de todos os esforços do governo do estado, em 24 de outubro, a primeira página do jornal O Imparcial estampava uma manchete inquietante: “Varíola! Varíola! A epidemia assume proporções horríveis. O isolamento transborda – os variolosos infestam as ruas”. A matéria informava que inúmeros doentes continuavam em suas residências sem os devidos cuidados. Como não havia leitos suficientes no Hospital de Isolamento para acolher todos os enfermos, muitos eram vistos perambulando pelas ruas e praças públicas da cidade.

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O quadro descrito nos jornais era macabro: doentes estendidos nas sarjetas, expondo as pústulas, impudicamente, “á luz do sol e á vista de todos” [sic] ou a gemer e a tossir, desesperadamente, sob as árvores dos jardins públicos, nos adros das igrejas, abrigando-se até nas escadarias das residências particulares.

Notícias como esta figuravam nas páginas de outros jornais da capital e revelavam a repulsa que exposição das vesículas, pústulas e crostas por todo o corpo do doente provocava, como também o medo do contágio e da morte, sentimentos próprios dos períodos de epidemias.

A doença, que desfigurava e vitimava familiares, amigos, colegas de trabalho, vizinhos de rua ou do bairro, constituía-se em uma ameaça próxima, concreta. Todavia, nem sempre a repugnância pelos sinais externos da doença, e o medo do contágio, próprio da necessidade natural de autopreservação, eram impedimentos para que as pessoas exercessem atos caritativos ou de solidariedade humana.

Em novembro, o estado era de calamidade pública. Em matéria publicada no jornal O Imparcial no dia 4 daquele mês, um articulista calculava que em apenas três dias haviam morrido cerca de 100 pessoas. Em vão, as pessoas solicitavam à Saúde Pública a retirada dos doentes de suas casas, já que o hospital não tinha mais capacidade para acolher mais doentes.

Houve dia de ali se encontrarem internados 540 doentes, com uma média de 25 internamentos por dia. O antigo lazareto também não dispunha mais de leitos, visto que 150 doentes já ocupavam os disponíveis. Além desses espaços, o governo do estado instalou uma enfermaria provisória na Rua do Baluarte. Em finais de outubro o jornal O Imparcial informava que o governo estadual cogitara adquirir uma casa no Largo da Boa Viagem para transformá-la em hospital, mas a informação não se confirmou.

Desnorteados, enfermos perambulavam pelas ruas, cadáveres amontoavam-se nas casas e nas vias públicas, sem transporte para levá-los às valas onde deveriam ser sepultados. Nota publicada no Diário de Notícias informava que pessoas que viajavam nos bondes da Calçada denunciavam que continuamente podiam ser vistos, ao abandono dos leitos das linhas dos bondes, cadáveres originários dos bairros do Alto do Peru, de São Caetano e de Pirajá. Esses bairros estavam situados na periferia da cidade e eram habitados, em maioria, por gente sem recursos, cujos mortos ali ficavam aguardando o transporte que os levaria ao cemitério.

Determinava a legislação que, em casos de óbito por doença infectocontagiosa, os ritos que acompanhavam a passagem para a outra vida deveriam ser suprimidos, o sepultamento deveria ser feito com rapidez e discrição, sendo proibido o acompanhamento do defunto por parte de amigos e familiares. O artigo 52, da Lei n. 1231 de 31 de agosto de 1917, estabelecia que transporte e sepultamento do féretro seguiriam as “devidas precauções” para evitar a possibilidade dos cadáveres “transmitirem ou dispersarem germens ativos de moléstias contagiosas”.

No cemitério das Quintas dos Lázaros, o movimento de carros  e bondes funerários era intenso. Às vezes, nem bem se tinha descarregado um caminhão com cadáveres de variolosos, chegava um bonde com outro tanto para sepultar. Os coveiros cavavam uma média de 40 a 50 covas por dia que, tão logo ficavam prontas eram imediatamente ocupadas. Houve ocasião em que o número de sepultamentos superou a média: 68 inumações.

Diante do número crescente de óbitos, os coveiros varavam a madrugada, mesmo assim, houve dia em que, pela manhã, os jornalistas que documentavam a epidemia flagravam cadáveres que ainda estavam insepultos e já em estado de decomposição. Para agravar o quadro, os coveiros, cujo trabalho aumentava em escala inversa à irrisória remuneração que recebiam, solicitaram ao governo estadual um aumento de salário, suspendendo provisoriamente suas atividades até que a sua solicitação fosse atendida.

Nesse período, um repórter do jornal A Tarde flagrara uma família que “andava em via sacra de cova em cova” a procurar “a sepultura de um parente querido”. Esforço baldado, segundo o jornalista, pois não havia número ou registro que a identificasse das demais. O número descomunal de sepultamentos verificado nesse período justificava a quebra de protocolo do cemitério.

A MORTE DESSACRALIZADA

Contemplar a morte despida de todos os rituais funerários tradicionais representava para aquela sociedade uma ruptura brutal  e desumana dos códigos socioculturais. A supressão da liturgia fúnebre, dessacralizava a morte, tornando-a ainda muito mais  temível. As práticas culturais relativas aos ritos que acompanhavam o adoecimento, o morrer e a morte ajudavam a digerir a perda, a extravasar a dor, conferiam identidade e ofereciam algum conforto e segurança aos que perderam seus entes queridos.

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas

A “peste” roubava o respeito devido aos mortos e o direito das famílias prestarem-lhes as homenagens devidas. Todavia, ainda que se abstivessem de velar o morto, rezar missa de corpo presente e acompanhar o féretro até a sua última morada, os católicos não se atreviam a negar a extrema-unção ao moribundo. Fotografia do vigário da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, levando o conforto da religião aos que se encontravam às portas da morte, publicada em A Tarde, atesta a prática.

As rupturas brutais impostas pela doença epidêmica à vida cotidiana e às relações sociais iam, paulatinamente, transformando a fisionomia de Salvador. A situação se agravara a tal ponto que deixou em suspenso a vida na cidade: o comércio fechado, as ruas quase desertas, visto que, temendo o contágio, as pessoas preferiam recolher-se aos seus lares.

Os poucos que se aventuravam fora de casa, traziam na face as marcas da doença. Esses, talvez, já se sentissem imunes à varíola, mas tal como os que ainda se sentiam ameaçados pelo mal, nutriam, certamente, sentimentos característicos dos períodos de crise epidêmica – insegurança, medo, ansiedade, angústia, desalento – provocados pelas transformações do cotidiano, pelas perdas e pelo assédio da morte.

Esse quadro de angústia e ansiedade não gerou, em Salvador, os distúrbios sociais, a histeria coletiva, nem a fuga dos lugares infectados, comuns às narrativas de eventos epidêmicos. Um repórter até insinuou que poderia ocorrer evento semelhante à “Cemiterada”, caso o governo insistisse em abrir valas para sepultar os variolosos em um campo de futebol existente no bairro de Brotas. A documentação consultada pelos autores não menciona se o projeto foi efetivado, mas durante o período não se registrou nenhum tipo de distúrbio relativo à epidemia.

Tela sobre a morte de uma mulher negra

“MORRA O CEMITÉRIO!”

A “Cemiterada foi um levante que começou  – conta João José Reis, em “A morte é uma festa” – como um protesto convocado pelas irmandades e ordens terceiras de Salvador, organizações que cuidavam, entre outras funções, dos funerais de seus membros. Centenas de pessoas marcharam pelas ruas da cidade, como uma procissão: com hábitos, capas, cruzes e as bandeiras de suas confrarias.

O caráter religioso dos participantes inibiu uma repressão mais efetiva dos poderes públicos. A população, em geral, ficou ao lado das irmandades e contra os cemiteristas. O cemitério era visto como uma ameaça à fé católica.

Houve discursos e um abaixo-assinado contra a companhia que havia ganhado o monopólio dos funerais e construído o Corpo Santo. A multidão invadiu o palácio, fazendo com que o presidente da Província suspendesse a proibição dos enterros nas igrejas até a realização de uma sessão extraordinária na Assembleia Provincial. Mas, isso não foi suficiente. A população enfurecida se dirigiu ao cemitério, munida de machados, barras de ferro e outros instrumentos usados nas obras do local.

Aos gritos de “Morra, cemitério!”, o local foi destruído em algumas horas. As instalações foram quebradas e incendiadas: portões, muros, grades, mármores para as lápides, coches, panos funerários, e até mesmo a capela – nada escapou da fúria dos revoltosos. Terminada a destruição, passou-se para o saque: as pessoas retornavam à cidade, levando nas mãos os restos dos materiais fúnebres. A polícia se manteve afastada. Muitos autores destacam os aspectos econômicos da revolta, pois, a nova lei retiraria parte da renda das irmandades e de outras instituições ligadas ao mercado “da morte”, esse dinheiro passaria às mãos da empresa privada responsável pelos enterros”.

ENTRE PROCISSÕES E APELOS AOS ORIXÁS

De volta ao segundo semestre de 1919, várias procissões percorriam as ruas da cidade entoando preces aos santos advogados contra pestes: São Roque, São Lázaro e São Francisco Xavier. Por sua posição na esfera celeste, os santos eram considerados intercessores poderosos, atuando como elemento de ligação entre Deus e o devoto. Vistos como aliados celestes do homem, os santos advogados eram invocados para mitigar as dores da alma, resolver problemas práticos da vida, curar os males do corpo e do espírito e eram frequentes as promessas para recuperar a saúde.

Em tempos de epidemia as imagens dos santos desciam dos altares para ficarem mais próximas das súplicas dos fiéis. Para o devoto, a proximidade física com os elementos do sagrado aumentava a sensação de conforto e proteção divina contra a peste e a morte súbita por doenças graves e contagiosas. Foi por isso que a antiga imagem de São Roque desceu do seu altar na Igreja do Bonfim e São Lázaro saiu da sua igreja, situada em bairro homônimo, na periferia, para ser exposta à adoração dos fiéis na Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, no centro da cidade.

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A identificação dos santos católicos com os orixás do Candomblé pode ter contribuído para reforçar o apelo dos baianos ao Senhor do Bonfim, a São Roque e a São Lázaro. No paralelismo religioso, o Senhor do Bonfim é associado a Oxalá, considerado o pai de todos os orixás e dos seres humanos, aquele regula o fim da vida.  Já São Roque é associados à Obaluaiyê, moço e forte, enquanto São Lázaro é relacionado à Omolu.

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Fontes da matéria:

Christiane Maria Cruz de Souza, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA, onde integra o Núcleo de Tecnologia em Saúde e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UEFS/UFBA), também doutora em História das Ciências pela Fiocruz.

Gilberto Hochman Professor História das Ciências e da Saúde da COC/Fiocruz, Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ e pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e do CNPq.

Márcia Pinna Raspanti – Jornalista pela Faculdade Cásper Líbero historiadora pela Universidade de São Paulo e mestre em História Social pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de História e Comunicação, com ênfase em História e Economia.

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Arena na Praça Castro Alves teria impactado todo o Centro Histórico

A imagem pode conter: atividades ao ar livre
Projeto de uma Arena para shows na Praça Castro Alves sofreu forte reação e foi abortado

Albenísio Fonseca

A divulgação dos estudos preliminares de um projeto que previa a construção de uma Arena para shows com capacidade para 5 mil pessoas na Praça Castro Alves, por parte da Secretaria de Turismo da Bahia, em 2013, provocou imediata reação de artistas e agentes culturais da cidade. O assunto passou a ser amplamente discutido nas redes sociais. Logo, uma petição pública online contra o projeto foi criada e, em pouco mais de 48 horas, 1.500 assinaturas já haviam sido coletadas.

O esboço do projeto, em termos estéticos, sequer preservava o monumento ao poeta e o dos criadores do trio elétrio Dodô e Osmar. Sem equilíbrio ambiental, tornava ainda mais árida a velha e famosa praça. Aparentemente terrível, era, no entanto, apenas um esboço. A questão, contudo, era a própria concepção da proposta em si, que previa estacionamento subterrâneo, mas sob capacidade bastante inferior ao público que comportaria, entre outros graves impactos no Centro Histórico de Salvador.

No momento em que se cogita novas intervenções naquela praça, em decorrência da descoberta arqueológica de estrutura supostamente vinculada ao Theatro São João (1812-1923), vale rever o que persiste como demandas em aberto naquele trecho da cidade.

Se criada ao custo de R$ 25 milhões, a Arena, em pleno funcionamento, “inviabilizaria os demais equipamentos do complexo cultural da região, que abrange o Espaço Itaú/Glauber Rocha, o Espaço Cultural da Barroquinha,  o da Caixa Cultural, o Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira, além do Teatro Gregório de Matos que começava a ser restaurado e o Hotel Fasano, já em construção”.

Com a política de fomento a espetáculos de massa, com seus megashows, milhares de pessoas travariam o trânsito, não haveria espaço para estacionar. “As paredes do cinema, como em todo evento na Praça Castro Alves, se transformariam em mictório a céu aberto. O cidadão que quisesse ir a algum daqueles equipamentos já existentes, encontraria bastante dificuldades”.

Em artigo sob o título “Uma lógica esmagadora”, no jornal A Tarde, em janeiro daquele ano, o cineasta e administrador do Cine Itaú/Glauber Rocha, Cláudio Marques, disparou mais uma saraivada de argumentos contrários à iniciativa e no afã de políticas culturais coerentes para com a praça e o sítio histórico:

“Nas proximidades da Praça Castro Alves, existem a Concha Acústica, o Museu do Ritmo, as praças Thereza Batista e Pedro Arcanjo, o Trapiche Barnabé, shows, shows!!! A lógica das festas em Salvador é onipresente Parte da planta do projeto da Arena Castro Alves - Foto: Divulgação | Seture esmagadora. Estamos perigosamente reduzidos a uma fórmula que já está desgastada.

Parece que não podemos fazer outra coisa, desenvolver outras atividades, formar novos públicos… e isso nos levará à morte, culturalmente. Temos que continuar lutando pela diversidade artística na cidade, inclusive musical. Precisamos fugir da lógica das massas. Tudo é alto, barulhento e pensado para multidões.

O Centro Histórico é um lugar precioso, um dos mais belos de todo o mundo. É necessário criar condições para moradias, para pessoas que irão zelar por aqueles espaços cotidianamente. Deve-se priorizar empreendimentos culturais de pequeno e médio portes. É improvável que alguém tenha o desejo de morar ao lado de uma Arena para shows.

Mas é fácil crer que alguém queira morar ao lado de um cinema, dois teatros, dois centros culturais e um museu. A bagunça em que está imersa a Praça Castro Alves, hoje, afugenta empresários e artistas. Muitos sonham, mas quase todos temem a falta de ordenamento na região.

A praça e seu entorno precisam, urgentemente, de uma revitalização. Mas necessitam de coisas mais simples que uma Arena. A fiação elétrica do entorno precisa ser modernizada. As pedras portuguesas devem ser mantidas, mas renovadas. A população precisa de bancos e árvores, pois a praça está árida, inóspita. Precisamos de espaços para bicicletas e mais linhas de ônibus.

A população de Salvador tem o direito a desfrutar desse mirante natural, onde é possível ver o pôr-do-sol e da lua na Baía de Todos-os-Santos, durante o ano inteiro. Com tanto casarão em ruínas, vamos gastar R$ 25 milhões para construir uma Arena para shows? Quando vamos começar a cuidar do que já existe?”.

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SALVADOR DO TEMPO EM QUE ERA A CIDADE DA BAHIA E QUEM NASCIA AQUI ERA BAIANO COM OU SEM H

Carlos Verçosa

A imagem pode conter: 1 pessoaErnesto Simões Filho proibiu o uso do termo Soterópolis e até mesmo Salvador no cabeçalho do jornal
Soteropolitano é o cara que nasceu
em Soterópolis. Conhece essa cidade?
Esse negócio de chamar Salvador,
a Cidade da Bahia, de Soterópolis
é frescura de acadêmico erudito
que se acha.
Um letrado metido a intelectual
que buscou seus quinze minutos
de fama ao propor a adoção
de um nome ‘mais grego’,
um gentílico laico para Salvador.
Justificou assim, despudoradamente,
entre os seus pares de academia,
uma variante do antropônimo latino
soter, vindo do grego sotêr, ‘salvador’.
Daí, essa conversa mole pra boi dormir
de que quem nasce em Salvador
é ‘soteropolitano’, gentílico considerado
mais autóctone, mais intelectual
e à altura da cidade (pólis grega).
Aonde?!
Nem da Cidade Alta,
nem da Cidade Baixa.
Mas, logo, outro acadêmico,
invejoso do sucesso do coleguinha,
propôs uma versão ainda mais bizarra
para Salvador e os baianos.
Ele acatava, ‘em princípio’,
a teoria bestial do gênio beletrista
que empurrava ‘soteropolitano’
como derivado de quem nasce
na Cidade da Bahia,
mas desacatava ainda mais
a história da primeira capital.
O novo pai do termo argumentava
por a + b que tal gentílico, Soterópolis,
significava uma antiga cidade grega,
erigida por seu imperador e em sua homenagem, chamado Sotero.
Assim, teríamos sotero + pólis,
ambos termos gregos.
Aplausos polidos da galera.
Mas o ciúme lançou sua flecha preta
na academia e um terceiro confrade
se viu ferido justo na garganta.
Nem alegre, nem triste, nem poeta,
mas talqualmente oportunista,
formulou nova e revolucionária
teoria para agradar gregos e baianos
religiosos, menos heréticos e eréticos.
A imagem pode conter: uma ou mais pessoas
Eles não estavam muito satisfeitos
com a laicização da proposta
para a nova explicação da origem
do nome e adoraram essa nova demão,
ou mãozinha que embala o berço natal.
O argumento do terceiro intelectual
foi de que tratou-se de uma justa homenagem a São Sotero, o 12º papa,
que papou entre 166 e 174.
De origem grega, Papa Sotero nasceu
em Nápoles (ele sim, pode ser chamado soteronapolitano) e é festejado por seu zelo pela doutrina e pela mão aberta.
Tradicionalmente é lembrado pelos católicos por ter enviado esmolas para muitas igrejas em todas as cidades.
Marco Aurélio, o ‘imperador filósofo’,
cuja filosofia foi perseguir cruelmente
os cristãos, martirizou e despachou
desta para a melhor o Papa Sotero,
posteriormente canonizado pela Igreja.
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O Cardeal da Silva com Getúlio Vargas nos anos 30, período do Estado Novo
Claro que esse argumento calou fundo
no coração católico dos baianos, principalmente após campanha feroz
do Cardeal da Silva para a sua adoção.
O Cardeal aproveitou-se da polêmica
desencadeada pelos intelectuais
acadêmicos para lançar uma cortina
de fumaça, tergiversar descaradamente, sobre outra  polêmica que ganhara
as primeiras páginas da imprensa
baiana: a demolição da Igreja da Sé.
Por trinta dinheiros (trezentos contos,
na época), Cardeal da Silva, atendendo
aos interesses da Companhia Linha
Circular (gentílico da multinacional
Light), vendera a velha igreja
para o bonde do progresso
avançar seus trilhos em linha reta,
soterrando anos de história, cultura
e tradição baiana.
A polêmica sobre o gentílico do nome
de quem nasce na cidade, portanto,
vinha a calhar.
Tal discussão tergiversava,
desviava a atenção, limpava a sua barra
e mudava o foco na imprensa.
Cardeal da Silva adorou.
Aproveitou a oportunidade para sacramentar tal teoria ateando gasolina
ao fogo no rabo dos acadêmicos.
Garantiu, por sua vez, que o cultismo tinha sido cunhado anteriormente por um padre português, que era também renomado geógrafo, Manuel Aires de Casal (1754-1821).
Disse que o termo ‘soteropolitano’
tinha sido posto para circular
(ato falho recorrente da sua eminência) desde a publicação do livro
“Corografia Brasílica”, de 1817.
Ora, foi a água benta no mel
dos orgulhosos acadêmicos,
que recebiam, assim, o reconhecimento
da igreja e o nihil obstat para o imprimatur que rebatizava a cidade.
Soterópolis. Soteropolitanos.
Só quem não comeu essa farofa
foi o jornalista Ernesto Simões Filho,
do jornal A Tarde, que retornava
do exílio por ter-se oposto
ao Golpe de 1930 e à intervenção
militar que enfiara Juraci Magalhães
goela abaixo dos baianos.
Diante da polêmica que encontrou
na volta, estampada nas primeiras páginas, inclusive do seu vespertino,
ele prontamente proibiu o uso do termo Soterópolis e até mesmo Salvador
no cabeçalho do jornal.
A Tarde publicava, além do logotipo, simplesmente Cidade da Bahia, data
e número da edição.
Sobre a Igreja da Sé, entretanto,
calado estava, calado ficou.
Ficou apenas na notícia a demolição
a marretadas e picaretas.
Para pagar esse pecado,
o Cardeal da Silva foi condenado
a se tornar uma avenida que
é uma rua estreita, barulhenta
e eternamente engarrafada.
Dessa forma, os agora chamados
soteropolitanos, podem ter raiva
e xingar à vontade esse Cardeal
vendilhão do templo ipsis litteris
todo santo dia.
Entrou por uma das sete portas,
saiu por outra,
esta é mais uma história do tempo
em que se escrevia Bahia com agá.
Quem quiser que conte outra.
●○•●○•●○•●○•●
Carlos Verçosa é poeta e publicitário
Destaque

Museu das Jangadas, um baluarte na praia do Flamengo

O que resta das jangadas é preservado na praia do Flamengo, no Litoral Norte de Salvador

Albenísio Fonseca

Frente às manchas de óleo que atingem o litoral do Nordeste, elas já não saem ao mar, como na “Suíte do Pescador” de Dorival Caymmi, mas um Museu das Jangadas, no limite Norte da faixa litorânea de Salvador, na praia do Flamengo, entre coqueirais, resiste bravamente, como se diria de um baluarte, uma fortificação inexpugnável, mantendo viva a tradição do mais primitivo equipamento de navegação e fundamental na sustentabilidade decorrente da atividade da pesca. Sim, sob o Sol e ao mar aberto.

Francisco Alves Santos, o Chico Pescador, 76 anos, já aposentado, cumpre diariamente, com sua bicicleta, a rotina de amanhecer, faça chuva ou Sol, sobre o lugar que consolidou como um Museu das Jangadas. A ideia surgiu logo após a decisão que levou à derrubada das 353 barracas de praias na Salvador de 2010.

O museu ainda é mantido como uma “capatazia”, termo já substituído por “posto avançado” da Colônia de Pescadores de Itapuã, ou Z-6, à qual está vinculado, a exemplo de outros postos avançados existentes nas praias da Rua K, da Sereia, de Piatã e até da Pituba, com cerca de 700 filiados, atualmente. Além das tradicionais canoas, barcos de alumínio e fibra vêm substituindo, há pelo menos 20 anos, as antigas jangadas.

As demolições, determinadas pelo juiz Carlos D’Ávila, da 13ª Vara da Justiça Federal, foram iniciadas justamente pelas barracas existentes no Flamengo. Chico recorda o confronto com os prepostos da Prefeitura na defesa das jangadas que ocupam a pequena faixa de areia naquele trecho. “Eles queriam passar o trator por cima de tudo e tive que me colocar à frente para impedir a agressão contra um patrimônio dos pescadores. Se quiserem destruir as jangadas terão que passar por cima de mim”, disse no ato de resistência.

Chico Pescador, em esforço solitário, luta para manter viva as jangadas de Salvador

HAVIA 40 JANGADEIROS, MAIORIA JÁ MORREU

Chico revela que atuavam, ali no Flamengo, ao menos 40 jangadeiros, dos quais recordou “Edinho, Mário, Coringa, Assídio, Cumpadinho, Joãozinho, Pai Velho… mas a maioria já morreu”. Segundo ele, a madeira para a construção de jangadas é encontrada em áreas de Mata Atlântica, inclusive em Lauro de Freitas e Simões Filho. Ele cita como uma bem apropriada a “tamba em pé, espécime cujas folhas lembram as do tamarindo”.

– Deixaram que as árvores com que se faziam as jangadas de pau, especialmente a ‘piúba’, ou pau-de-jangada, fossem parar na lista das espécies em extinção – queixou-se. Apesar do claro sinal de alerta, são raros os plantios para tentar salvar a árvore. Ao contrário, como se pode verificar no Nordeste estão destruindo o que resta delas.

Uma escultura de jangada é marcante na Colônia do Rio Vermelho

No Núcleo da Mariquita da Colônia de Pesca do Rio Vermelho (Z-1) a jangada foi tornada em peça decorativa. “Restam jangadas indo ao mar apenas em Buraquinho e no Porto de Sauípe”. O pescador recorda, ainda, nomes de pedras que serviam de referência para a navegação: “Rachada, Correnteza, Buraco redondo”. Entre os “peixes bons” trazidos das pescarias, mencionou a “arraia, o mero, cavala e beijupirá”.

LOCAL É DOS PESCADORES, HÁ 77 ANOS

Segundo ele, o local da Capatazia “é ocupado por pescadores há 77 anos. Herculano, administrador da fazenda de Bartilotti, foi quem doou o terreno na praia”. Ali existia uma construção que servia de abrigo, mas o próprio pescador decidiu por demolir. “Estava sendo ocupada por usuários de drogas”, alega para justificar a decisão.

Chico, que não frequentou escola, ficou viúvo aos 55 anos e criou sozinho os três filhos, mencionou nomes de lugares bastante piscosos, como Pesqueiro Grande, Vara Comprida, Reguinho e Boqueirão, ao longo da costa, a partir de Itapuã, que já não se mantêm com tais denominações. – Naquela época tínhamos quatro jangadas de pano, que permitiam embarcar até quatro pescadores e outras seis mais simples, para no máximo dois, recorda o pescador.

Chico Pescador mantém o posto avançado como uma Capatazia

Atualmente, sem dispor de qualquer apoio, as seis embarcações que restam vêm sendo destruídas pela intempérie e por cupins. O Museu das Jangadas parece condenado a exibir por curto período a arte e técnica de mobilidade náuticas cada vez mais em extinção. Para Paulo Vicente Demian, estudante de museologia da UFBA, o “museu na praia não deixa de simbolizar, como uma metáfora, o abandono consagrado nos demais museus do estado mantidos sem orçamento pelo Governo”.

TUDO EM VOLTA ERA FAZENDA

Se Itapuã foi, inicialmente, ocupado por uma colônia de pescadores proveniente de uma armação para pesca de baleias jubarte, Chico Pescador ressalta que “no trecho entre Stella Maris e Flamengo tudo em volta era ocupado por fazendas. Como a de Bartilotti, as de Mateus Maia, Damião de Souza e Juventino Silva – cuja casa de farinha é onde hoje se encontra o Colégio Sulmericano”, diz traçando um mapa imaginário do lugar.

“Nos anos 80 ainda não havia nada, nenhuma estrada, nenhum sistema de transporte interligando esse trecho com o Centro da cidade. O que existia eram barcos que transportavam carvão de Arembepe e Monte Gordo para a feira de Água de Meninos e, depois, para a de São Joaquim – e que levavam e traziam também famílias entre os passageiros”, relata.

ELEMENTOS ARTESANAIS, QUALIFICAÇÃO, ORGULHO

Nascido em Monte Gordo, filho de um pescador que teve seis embarcações, Chico já foi servente de obras, ajudante de pedreiro e tornou-se armador de ferragens, qualificação que lhe permite ostentar com orgulho a participação em construções de pontes e muitas edificações. Conforme Chico Pescador, “todos os elementos da jangada tradicional são feitos artesanalmente, desde o mastro à vela, das cordas ao banco de navegação, redes de pesca, anzóis, âncora e samburás (cestos para guardar peixes e pertences)”.

Ele fez ver o quanto nas versões da jangada tradicional – ou seja, o modelo mais conhecido desde o início do século XX – “a tripulação, é de três a cinco pessoas. Essa turma trabalha num espaço de aproximadamente 5 a 7 metros, em média (na maior extensão, embora haja jangadas maiores de 8 metros), por 1,7 a 1,4 metros, na menor extensão”.

Resultado de imagem para competições de jangadas no CearáEm Fortaleza as competições ocorrem duas vezes ao ano com muitos jangadeiros

VELAS DO MUCURIPE, COMPETIÇÕES NO CEARÁ

Pescadores tradicionais sempre obedecem a regras básicas como uso das marés, regimes de ventos, correntes marinhas e sazonalidade da pesca. As incursões no mar variavam bastante quanto ao tempo de permanência, trajeto navegado e tipo de “peixe bom” que conseguem. Conforme nosso jangadeiro-museólogo “um período de permanência comum era de três dias no mar alto, a até 120 quilômetros da costa”. Mas essa duração é cada vez mais rara, como ele admite com incursões que “não vão mais além de até 50 quilômetros distanciados da costa”.

Vale destacar a presença marcante em Porto de Galinhas, em Pernambuco e em vários pontos do litoral cearense, de modo emblemático. Há, inclusive, corridas de jangadas, com duas provas anuais na região da enseada de Mucuripe (em Fortaleza). Dezenas de jangadas (“as velas do Mucuripe”) participam dessas competições, num espetáculo sem paralelo no extenso litoral brasileiro.

ÍNDIOS E NEGROS ESCRAVIZADOS JÁ A UTILIZAVAM

Estipula-se que a pesca artesanal sustente cinco milhões de brasileiros e muitos ainda usam a mais antiga das embarcações como “meio de vida”. Ninguém sabe ao certo a origem da jangada. No Brasil, foi citada pela primeira vez tão logo um europeu pôs os pés, oficialmente, no território. Em 26 de abril de 1500, quando a frota cabralina desembarcou em Coroa Vermelha, no Sul da Bahia, para acompanhar a primeira missa, a presença de jangadas foi testemunhada e descrita pelo escrivão Pero Vaz de Caminha:

“…E alguns deles se metiam em almadias…duas ou três que aí tinham…as quais são feitas como as que eu já vi – somente três traves, atadas entre si. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, senão enquanto podiam tomar pé…”


“Almadias”, designação adotada por Caminha, são embarcações africanas e asiáticas feitas de um único tronco, mesmo que ele faça a distinção. Mas é visível o quanto, em mais de cinco séculos, a embarcação mudou pouco. A tese mais aceita pelos pesquisadores diz que a jangada foi uma evolução da “piperi”, feita com três troncos amarrados, que era usada pelos índios, quando da chegada dos portugueses ao Brasil.

Registros de sua utilização são encontrados no início do século XVI, quando eram utilizadas por escravos africanos para pesca na capitania de Pernambuco. “O jangadeiro é filho de jangadeiro. Um por mil, não tendo a profissão fixada, escolhe a jangada para viver” (do clássico “Jangada: uma pesquisa etnográfica”, de Luís da Câmara Cascudo, 1964). Outros autores quinhentistas também citaram e descreveram a jangada, como Jean de Lery, em seu clássico “Viagem à Terra do Brasil.”

Imagem relacionadaA coragem dos jangadeiros os faz enfrentar as ondas em busca do pescado e viraria cartão postal no Brasil

No caldo de culturas, o nativo pré-cabralino colaborou de um lado e o europeu de outro. O índio sendo a base da formatação da jangada, com os troncos amarrados e o europeu com a inserção da vela. Hoje, as jangadas são feitas de tábuas ou fibra e navegam por mais de 30 anos. A mesma jangada serve a várias gerações. Mas percebe-se o quanto as estamos perdendo de vista no oceânico horizonte da história no litoral da Bahia.